Conversando estes dias com um coordenador de produtos a respeito de baixas adesões seja em jornadas projetadas ou telas fetias, ouvi que na visão dele o maior ofensor à mudança, ou a tal da zona de conforto.
Mas será que isso é mesmo uma verdade ou apenas um dos possíveis aspectos que fazem ou não um usuário aderir a uma nova proposta feita?
É muito comum ouvir, quando uma nova interface ou jornada é rejeitada pelos usuários, o argumento de que “eles estão na zona de conforto”. A ideia de que a resistência vem do hábito é, de certa forma, verdadeira — mas também pode funcionar como uma meia-verdade perigosa.
Afinal, quando pensamos em design de experiência, é fundamental entender onde termina o comportamento natural de adaptação e onde começam os problemas reais de usabilidade e, mais profundamente, onde podem existir falhas de entendimento do próprio problema que se tentou resolver.

Mudanças geram atrito — isso é um fato, ainda mais quando pensamos em softwares.
Usuários tendem a se acostumar com padrões visuais e maneiras específicas de realizar tarefas. Assim, quando algo muda, mesmo que objetivamente melhore a experiência, há uma curva de reaprendizado inevitável.
Esse fenômeno é amplamente estudado em UX e pode ser explicado por alguns princípios:
As heurísticas de Usabilidade de Nielsen e Norman: especialmente as que tratam de consistência, visibilidade do status do sistema e controle do usuário. Elas explicam como o usuário constrói previsibilidade e confiança ao interagir com um sistema. Em outras palavras, o usuário cria modelos mentais baseados em padrões já consolidados, e qualquer ruptura exige energia cognitiva adicional.
Esses princípios ajudam a compreender por que uma interface ou jornadas novas pode ser rejeitadas em um primeiro momento. Contudo, essa explicação só é válida até certo ponto — e muitas vezes é utilizada como desculpa para esconder não apenas falhas de design, mas também lacunas de entendimento do problema a ser resolvido.
O problema surge quando a justificativa da “zona de conforto” é usada para mascarar falhas de design, de entendimento ou de pesquisa.
Se, depois de um período razoável, os usuários continuam confusos, cometem mais erros ou relatam que as tarefas estão mais difíceis, a rejeição não é mais resultado de hábito — é sinal de que algo foi mal interpretado no projeto.
E aqui entra um ponto crítico: muitas vezes, a resistência do usuário é o sintoma de um problema mais profundo, que começa antes mesmo do design existir.
Pode haver uma falta de entendimento estratégico do projeto — das premissas, do contexto, do escopo — ou uma superficialidade na descoberta de problemas, tanto no desk research quanto nas pesquisas com usuários.
Quando o designer (ou o time) não compreende a fundo o problema que precisa ser resolvido, as soluções acabam se apoiando em suposições ou meias verdades. E, nesse cenário, culpar a “zona de conforto” se torna uma forma conveniente de evitar a autocrítica: o problema não é o usuário resistir, é de nós termos entendido pouco sobre o que realmente o move, o que o incomoda e o que ele espera alcançar.
Neste te sentido, diversos estudos mostram que a resistência do usuário — frequentemente atribuída à “zona de conforto” — muitas vezes está mais ligada à falta de entendimento, clareza e percepção de valor do que ao simples apego ao que é familiar.
Em resumo, o que esses estudos revelam é que a resistência do usuário raramente nasce de uma simples aversão à mudança. Na maioria das vezes, ela é um reflexo de falhas no entendimento do problema, de pesquisas rasas ou de ausência de clareza sobre o valor entregue. A “zona de conforto”, portanto, não é o inimigo — é apenas o sintoma de um design que começou com as perguntas erradas.

Apenas justificar uma baixa adoção como “zona de conforto” pode mascarar problemas sérios. Por isso, é importante compreender quando o problema não é o hábito, mas a experiência — ou até mesmo a falta de entendimento de contexto e necessidades.
Contudo, alguns sinais ajudam a distinguir esses cenários:
Assim esses sinais devem ser avaliados junto com dados quantitativos (métricas de uso, taxa de erro) e qualitativos (entrevistas, observações, feedbacks contextuais), além de uma revisão das premissas de pesquisa: o que se sabia, o que se supôs e o que não se explorou o suficiente.
Como vimos o papel do designer vai além de entregar algo esteticamente agradável. Seu desafio é criar experiências que resolvam o problema certo — o que exige clareza de propósito e profundidade de entendimento.
Testar hipóteses, revisar as descobertas, comparar versões e coletar feedbacks são etapas essenciais para garantir que a resistência do usuário não seja um reflexo de falhas do processo.
Práticas como testes A/B, entrevistas, análises de jornada, pesquisas exploratórias e desk research mais analítico ajudam a construir uma visão mais clara antes de propor soluções, também é útil introduzir ações de onboarding e mensagens contextuais para reduzir a fricção inicial sem comprometer a inovação.
A “zona de conforto” do usuário é real, mas é apenas parte da história. Ela explica a resistência inicial, mas devemos ter o cuidado para que isto não serva como escudo para justificar falhas de design, pesquisa ou entendimento.
Em última instância, a função do design é convencer o usuário — não pela insistência, mas pela clareza e relevância através de um entendimento profundo do problema, e de entrega valor real percebível pelo usuário.
Afinal, mesmo que possa haver um curto tempo de adaptação, uma boa experiência sempre acabará por falar por si.